Um ano não termina só porque passamos do dia 31 de dezembro para 1º de janeiro. Eufemisticamente, um ano não termina quando ele acaba. Há contas de 2013 que serão pagas em 2014, há conversas que começaram num ano e darão continuidade no ano que se inicia, e o que dizer das enormes ceias cujas sobras serão deliciosamente consumidas no próximo ano!
Assim também acontece com o ano letivo em uma escola. Ele não termina no último dia de aula. Sabem bem disso os alunos que ficam em recuperação. Esses ainda têm uma grande jornada pela frente. Na maioria dos casos, a família toda fica em recuperação. Todos se mobilizam organizando aulas particulares, horário de estudo em casa, adiando a tão esperada viagem de férias. A ansiedade toma conta de todos. O resultado de todo esse esforço pode ter um final feliz ou não. Quando o final desse túnel é um “happy end”, todos saem sorrindo e lidando com a situação como um sinal de alerta. É mais ou menos como somos envolvidos em um acidente em que só machucamos um pouquinho. A luz amarela acende para nos dizer: tome mais cuidado, no próximo ano comece estudando desde o inicio, não precisamos passar por esta situação novamente! No entanto, quando o resultado é a tão temida BOMBA a conversa muda de tom e a casa, literalmente cai.
A repetência escolar é realmente um acontecimento bastante complexo. O primeiro impulso é analisar o fato observando apenas o resultado final. Ou seja, “mas faltou apenas cinco pontos”, ou “mas, ele ficou apenas em uma matéria, isto não é justo”, ou “ não é possível, se fosse em matemática ou português, mas repetir o ano em geografia?”. Outra reação imediata das famílias é olhar apenas um lado da questão responsabilizando somente a escola. Neste caso a fala é: “vocês vão ter coragem de dar bomba no meu filho?”, ou “quer dizer que a professora de matemática fez o meu filho repetir um ano inteiro!”
Há também todo o aspecto emocional e financeiro. As mães tendem a se culparem pela repetência do filho: “Onde foi que eu errei?”, ”poderia ter dado mais atenção ao meu filho…” Há ainda a propensão de evitar a todo custo o sofrimento do filho (como se fosse possível nesse caso), de colocar um escudo ou um raio lazer evitando a trajetória da dor… se pudessem, sofreriam por ele. Os pais, às vezes disfarçadamente e outras, declaradamente, analisam a situação como um desastre no bolso: “um ano jogado fora”, “não pago uma escola particular novamente, próximo ano vai estudar na escola pública”.
No entanto, a grande questão a ser respondida está na relação entre a aprendizagem e a repetência. A principal pergunta a se fazer é: O QUE ESTE ALUNO VAI APRENDER REPETINDO O ANO? Desta pergunta central outras surgem: Os conteúdos não aprendidos são realmente significativos e justificam a repetência? Quais lições de vida essa repetência poderá representar para esse aluno? Quais as condições desse aluno seguir em frente sem repetir o ano? Não repetir o ano significa “tampar o sol com a peneira”?
Antes de tentar responder estas questões, é bom esclarecer que, quando falamos em repetência estamos nos referindo aos estudantes do 3º/ 4º anos do Ensino Fundamental em diante, pois a Secretaria Estadual de Educação orienta as escolas a não usarem a repetência nos anos iniciais, pois, nesse período, as crianças estão em formação.
Feito esse parênteses, voltamos à nossa análise. Estamos falando, portando, de estudantes que já possuem certa autonomia construída, senso de responsabilidade e capacidade de auto avaliação.
Em toda esta complexidade, existe algo sem contestação: uma repetência não acontece por incidente ou por um único motivo. E há uma enorme diversidade de situações.
Existem casos, que devem ser analisados separadamente, e às vezes, com o auxilio de uma equipe multidisciplinar: psicólogo, fonoaudiólogo, pedagogo… Aqui estão incluídos alunos com múltiplas demandas e a decisão sobre repetência ou promoção exige uma análise mais profunda. Um grupo de alunos encaixa-se no que chamamos de defasagem em conteúdos específicos e que são essenciais para continuidade dos estudos. Fazem parte desse grupo, principalmente, os alunos que mudam constantemente de escola, durante o ano letivo ou no final dele, muitas vezes suas famílias necessitam transferir-se de cidade, estado ou país. No entanto, a maior parte dos alunos que chega à repetência, pertence a dois outros grupos: àqueles que possuem capacidade e competência, mas, são extremamente desorganizados e não cumprem diariamente com suas responsabilidades de estudante, comprometendo assim a aprendizagem de conteúdos básicos. E finalmente, aqueles que possuem realmente alguma dificuldade aliada a uma imaturidade emocional, o que resulta num quadro que demanda atendimento individualizado durante o ano através de aulas de reforço. Muitas vezes, a ajuda para esses alunos chega apenas nas semanas de prova o que não resolve o problema, ou seja, a dificuldade acumula, o problema aumenta e a repetência é quase inevitável.
Fica claro que o assunto é interminável e suscetível a diversas análises e pontos de vista. Não obstante é preciso terminar o artigo. E para encerrar vale um alerta para as famílias que passaram ou estão passando por esta situação: antes de se desesperarem com a repetência e de acharem que o mundo acabou porque seu filho vai repetir um ano escolar… Façam uma parada para reflexão com o seu filho! E, junto à equipe pedagógica analisem o ano letivo, todas as ocorrências, o que foi feito, o que não foi feito e o que poderia ter sido melhor. Mesmo sendo difícil acreditar, quando justa, uma repetência escolar pode ser uma valiosa lição de vida e uma mudança significativa na formação humana e pedagógica na carreira de um estudante.
Cristina Detomi
Diretora do Colégio Maxxi.